Cai a noite com suas luzes, seu brilho e seu charme misterioso, no abacá (terreiro) o Táta Ria de Nkice se preocupam com a demora de alguns médiuns e a chegada dos primeiros convidados. O ar está impregnado com os aromas do dendê e do camarão, seco às pressas, no forno; as muzenzas se revezam no ferro de passar, preparando as roupas que serão usadas pelos Nkices, as Makotas com suas sandálias de salto alto, dão os últimos retoques na decoração do Abacá, amarram os laços, flores nas jarras, folhas de peregun nas paredes, os Tatá Kambondo aquecem o couro das ngomas numa fogueira improvisada e suas almas com grandes goles de otí (claro que bebem com a certeza que o Tatá não vai perceber), tudo é alegria, tudo é festa, brilho e ... fé, pouca fé.
As religiões afro-brasileiras com seus cânticos, suas danças, suas cores, roupas e colares, estão sempre num fio de navalha, entre o sagrado e o profano e são necessárias muitas energias para não cairmos na carnavalização.
A função principal das religiões é religar os homens a Nzambi (Deus), é claro que religar com alegria e beleza se for possível, mas sem esquecer que ali estamos como médiuns, não só capazes de ligar os homens a Deus, mas fundamentalmente com a função de trazer as múltiplas faces de Deus ao convívio dos homens.
Não quero dizer com isto que não devamos nos preocupar com as nossas roupas e com a decoração dos templos, ao contrário, muitos fiéis se aproximam da fé africana atraídas pelo apelo visual e a partir disto descobrem sua religião, mas não podemos e não temos o direito de nos descuidar do lado espiritual, com banhos, oferendas e rezas que antecedem a um toque (ritual público). Hoje dificilmente sentimos o inconfundível aroma do abo em festa de Candomblé, raramente uma muzenza ou ndumbe chega a tempo de acender suas velas e como eles dizem tomar “aquele banho fedorento”, cabe aos Tatás e Babalorixás, explicar aos seus seguidores a incalculável importância do abo no ritual.
O Candomblé pode e deve evoluir, mas não podemos e não temos o direito de evoluir no caminho do profano, não podemos permitir que o profano supere o sagrado, o toque do Candomblé é um culto religioso, apesar de belos, alegre e festivo.
(Texto elaborado pelo Babalorixá Fernando Khouri)
Tatá e Makota: “Achamos que dentro da cultura afro-brasileira em todos os seus aspectos deveria haver mais união, solidariedade entre todos, principalmente humildade, pois dentro da nossa religião, deveria haver mais respeito e ajuda de uns com outros sem haver exploração financeira entre os Tatás e Babalorixás e entre os Tatas e seus consulentes.”
COLETANEA TATA GONGOFILA