Entre os africanos, o sobrenatural tem uma grande importância. Todas as decisões da vida são tomadas depois que os ancestrais são consultados através de rituais. Quando eles foram trazidos à força ao Brasil, trouxeram esta tradição. Alguns grupos mantiveram-se mais fechados e preservaram com maior rigor os aspectos culturais africanos. Outros reconstruíram sua cultura com a influência de elementos indígenas e portugueses.
Os primeiros estudiosos sobre as religiões afro-brasileiras, influenciados pelo pensamento evolucionista do século XIX, hierarquizavam as religiões, tomando o Cristianismo como modelo "superior" de religião e as que usavam o transe, sacrifício animal e culto aos espíritos, chamavam-nas de "atrasadas" ou "primitivas". Longe de querer cometer este equívoco, nosso objetivo neste texto é de buscar semelhanças entre as manifestações religiosas de matriz africana, sem ter a pretensão de esgotar o assunto e muito menos de querer atribuir uma certa "superioridade" a qualquer uma das religiões por considerarmos a importância que cada uma tem no mosaico da diversidade humana.
Origens: O Brasil recebeu negros ao longo dos séculos de vários lugares da África. Existe uma diversidade cultural muito grande, mas costuma-se elencar dois principais grupos que abarcam uma variedade de etnias por conta das semelhanças lingüísticas e hábitos culturais: os sudaneses e bantos.
Entre os povos sudaneses estão os Iorubás (ou Nagôs) e os Jeje (ou fon), oriundos principalmente da Nigéria e Benin (ex-Daomé). Entre os bantos encontramos os angolanos. Calcula-se que dos bantos tenha vindo um maior número de escravos, exercendo uma grande influência na cultura brasileira. Destacamos estes três povos por serem os principais na formação da cultura religiosa de matriz africana no Brasil, apesar de existir a presença de outros importantes grupos africanos na formação de nossa cultura, como os hauaçás, povo islamizado do Sudão central que os portugueses chamavam de malês.
Oralidade: As religiões afro não se baseiam em livros sagrados como a Bíblia ou a Torá ou o Alcorão. A transmissão do conhecimento religioso africano baseia-se na oralidade. Todos os ensinamentos secretos são passados aos iniciados oral e gradualmente ao longo do tempo. A cosmovisão, a mitologia, as tradições, os rituais litúrgicos, a linguagem são ensinados conforme a participação do iniciado nos cultos. A memória individual e coletiva é preservada até hoje.
Orixás, voduns ou inquices: Os orixás e voduns são entidades ancestrais e heróis divinizados fundadores de linhagens, reinos e cidades-estado, sendo não só a origem da organização social e política, como aqueles que orientam toda ação dos homens em sua vida terrena, à semelhança do que ocorre entre os povos bantos.[1]
A manifestação de entidades e/ou espíritos de antepassados é outro ponto comum nas religiões de matriz africana. Através da dança e do ritmo dos tambores, o iniciado entra em transe e as entidades do além se manifestam. Os povos de origem Iorubá deram a estas entidades o nome de Orixás, que no Jeje correspondem aos voduns e nos terreiros de tradição angola são conhecidos como inquices. Estes deuses africanos personificam as forças da natureza. Das centenas de divindades existentes na África, apenas um número bem reduzido é cultuado no Brasil. Alguns orixás são bastantes conhecidos na sociedade brasileira por serem citados na música popular, na literatura ou por fazerem parte de rituais que se naturalizaram socialmente, como o de oferecer presentes no Ano Novo para Iemanjá.
Sincretismo: os ritos de matriz africana foram bastante perseguidos no Brasil. Primeiramente pela Santa Inquisição, uma organização da Igreja Católica que perseguia os que contestavam suas práticas, e logo depois pelo próprio Estado, que proibiu o culto aos orixás até meados do século XX. Para despistar as perseguições, os africanos e afro-brasileiros associavam um orixá a um santo católico. Então, quando homenageavam determinado santo com suas danças e cantos, estavam fazendo na verdade para o orixá ali representado. O abismo existente entre as classes sociais e entre brancos e negros no Brasil não impediu que as tradições culturais interagissem uma com as outras. Surgiram novas formas que mantiveram as estruturas semelhantes do Cristianismo e das religiões indígenas e africanas. Hoje, apesar das leis brasileiras garantirem o direito de liberdade de culto não sendo necessário mais o sincretismo religioso, a Umbanda ainda mantém esta tradição, pois suas práticas ritualísticas se baseiam na mistura do Cristianismo com elementos da cultura indígena e africana. No sincretismo religioso existe a idéia equivocada de que o orixá Exu é o diabo. Na mitologia iorubá, Exu não é oponente do criador do universo, assim como o diabo é oponente de Deus na concepção cristã. Exu é o co-criador, o elemento dinâmico e transformador da criação.
Muitas são as manifestações religiosas no Brasil que tem origem na matriz africana: Candomblé, Umbanda, Tambor-de-mina, Tambor-da-mata ou Terecô, Xangô de Recife, Batuque entre outros. Procurei sintetizar os elementos comuns entre estas religiões. Para conhecer a filosofia e a cosmovisão é necessário um aprofundamento em seus ritos e em sua mitologia e isto acontece através da experiência e participação nos rituais.
[1] SOUZA, Marina de Mello e. África e Africano / Marina de Mello e Souza. – 2ª ed. – São Paulo: Ática, 2007.
COLETANEA TATA GONGOFILA.
RETIRADO DO BLOG DO AFRICANIDADES
DOFONO DA OXUM – ROBERTO COSTA
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