quinta-feira, 23 de abril de 2009

OS GÊMEOS NA TRADIÇÃO AFRO-BANTU



Os gêmeos, considerados seres sobrenaturais, inspiram um culto especial. Entre si, constituem uma irmandade, possuindo casa qual um poder espiritual sobre o congênere. Procedem das matas de bananeiras, rios, poços, monte, rochas, vales e, ordinariamente, são gerados pela via paterna, pois são os homens que mais deambulam.
Os seus alimentos rituais são os uiki (mel), o maji (óleo de palma) e o mumbal, e a sua roupagem, as folhas de musekenha e mulembuíji. E o mbondol (embondeiro), para eles, representa a árvore sagrada. É tal o simbolismo dos vegetais que, se um árvore existente em uma casa chorar, a mulher grávida que porventura lá viver, dará gêmeos à luz. Tanto o nascimento como a morte, exigem ritos próprios.
Segundo a tradição, se antes de nascerem, um deles verificar que um dos pais não é do seu agrado, trava-se, no ventre materno, o seguinte dialogo:
- A quem havemos de matar? Ao pai? – propõe a parte irritada.
- Ao pai, não. Depois quem há de trabalhar para nos criar? – Objeta o outro irmão.
- Então, matamos a mãe.
- A mãe, não. Depois quem nos dá de mamar?
Então, eu volto! E tu hás de ir também, porque foste tu que me convidaste a vir!
Em conseqüência dessa singularidade, os gêmeos, nem sempre se formam normalmente, em concepção de mais de um individuo. Em alguns casos, geram-se efetivamente os dois, mas um deles, por antipatizar com um dos pais, volta para o seu seio. A assinalar a sua encarnação, apenas vem, aderente às secundinas ( placenta e membranas expulsas após o nascimento), que será colocada juntos com pós mágicos, búzios, etc., dentro de uma vasilha de barro que será enterrado ao lado de um pé de embondeiro.
Na tradição afro-bantu chamam-se “ngongo ia kilamba kai xinimavu” (gêmeos predestinados).
Em outros casos, se um dos entes não quis, ou porque o outro pretendesse sua companhia, só nasce um individuo. Tal gêmeo denomina-se “ ngongo ia muende ia ubeka” (gêmeo solitário).
Em outros casos, ainda, os gêmeos também podem ser concebidos em ventres diferentes apenas irmanados pela mesma paternidade. O fenômeno resulta de os ditos seres provirem do ramo paterno, induzidos, não simultanemante, como em regra, acontece, mas em períodos desiguais.
Aclaremos os mistérios. Os ngongo, no seu seio constituindo os espíritos, quando simpatizam com alguém – homem ou mulher – incorporam-se-lhe para efeitos de reprodução. Mas, como já se viu, nem sempre ambos entes gostam da mesma criatura, pelo que, à hora do parto, ainda discutem se devem matar o pai ou a mãe, ou então voltar para o seu mundo. No primeiro caso encarnam efetivamente os dois, ocorrendo a deliberação no ventre materno; no segundo, dado o repudio ou antipatia imediata, só encarna um, continuando o outro na sua mansão; mas, no terceiro, o que não quisera acompanhar o outro, mais tarde, movido pelo arrependimento, decide-se, então, a incorporar-se no mesmo individuo.
A primeira manifestação de geminação, pela sua evidência, é logo reconhecida na hora do parto. Nas outras duas, porem, dado o mistério da encarnação, só através do ngombo (adivinhação) se conhece a procedência de tais filhos. Posto que qualquer dos entes assim gerados pertença à mesma espécie espiritual, o segundo – ngongo ia muende ia ubeka – em preceitos respeitantes aos gêmeos, ainda é mais exigente do que os concebidos diferentemente.
Dada a extrema sensibilidade de tais seres, a mãe, no leito, deve dormir entre ambos, a fim de cada qual fruir a mesma identidade de contato.
Quando nascem, conforme já descrevemos em “uanga”, um grupo de gêmeos, sob a exaltação de cânticos alusivos, colhe na mata, abundante folhagem de musekenha e mulembuíji. Com essas folhas, “vestem-se ’’ liturgicamente: ao peito, em X, impõem duas correias a tiracolo; na cabeça, uma rodilha; no pescoço, um colar.
Assim paramentados, vão homenagear os recém-nascidos, aos quais, sempre debaixo da folhagem, lhes oferecem a rama, depondo-a na cama e ornando-a com uma rodilha, permanecendo a veste, ate murchar.
Quando morrem, idêntico cerimonial se efetua. O nvumbi (morto), igualmente “vestido” com os demais irmãos espirituais, assim é encerrado num cesto feito de cipó, acamado no fundo com nove rodilhas de musekenha e outras tantas de mulembuíji e, em redor, com cordões das mesmas plantas. Com as mesmas insígnias, também sé prepara a mãe e o outro gêmeo irmão. Antes do funeral, a múkua-umbanda (sacerdotisa), durante alguns rituais, com um galho de mulemba, borrifa o nvumbi com dikosso, até a hora do sepultamento.
No quintal, sobre uma esteira, coloca-se uma estatueta feita de serradura de bamba-údi-údi, kisékua, maji, uiki, kisala nhange, kisala andua, etc., envolvida parcialmente por um retalho, simbolizando o morto. Alguns gêmeos paramentados ritualmente entoam os cânticos alusivos. A makua-umbanda, com os dentes, arrasta a esteira para junto de um buraco contendo pós mágicos, e enterra ali a estatueta entre duas camadas e musekenha e mulembuiji. Depois, perto da kubata (palhoça, casa), planta um mbondo (embombeiro).
O gêmeo sobrevivente passa a usar ao pescoço um ngonga (amuleto) representativa do irmão. Como esses filhos não admitem preferências por parte dos pais, portanto recebendo ambos os mesmos carinhos, as mesmas vestes, os alimentos, tal amuleto continua a exigir iguais atenções.
Assim, quando se dá roupa nova ao sobrevivente, o ídolo, que fica envolvido num saquinho, também recebe a sua parte. E em certas cerimônias aos ancestrais, ao amuleto igualmente se dá oferenda, pela múkua-umbanda, ou pelo próprio, se for iniciado. E quando o sobrevivente casar, deverá, em ritual apropriado, comunicar ao extinto.
O ngonga é usado até a morte.
Essa é uma história do candomblé de angola.

Painel Cultural agosto 1996 ( Tata Nlundi)

COLETÂNEA: TATA GONGOFILA


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