terça-feira, 30 de setembro de 2008

CRIME E CASTIGO


Fernando Khouri
(Babalorixá Ala Igbin)

Crime e Castigo

Em um tempo anterior ao Cristianismo e mesmo ao judaísmo, enquanto Jeová era apenas mais um entre os deuses do deserto, a terra era habitada pela harmonia; o ser humano preocupava- se em viver. Conheciam o amor, o ciúme, a inveja, e a admiração, mas desconheciam o pecado.

Na África, o negro cultuava seus deuses, nascidos na divinização dos antepassados, livre da idéia de pecado e da divisão entre o bem e o mal.

Para eles – os negros-, os deuses e os homens eram constituídos de uma mesma idéia, que não era má e também não era boa.

Tudo era ambíguo, o mesmo homem que matava uma ovelha para comer salvava outra de ser picada por uma serpente. O mesmo Deus que mandava chuva, para regar as lavouras, também inundava os rios que desabrigava centenas ou milhares de negros.

O mal só passava a existir a partir do momento em que orí (a cabeça) dissesse que aquilo estava errado, ou seja, o homem era condenado por si mesmo, só ele podia julgar seus próprios atos. Assim era em todas as civilizações pré-judaicas – na Europa; na África, nas Américas, onde até hoje os aborígines pensam desta forma.

O pecado e seus possíveis castigos foram as armas encontradas por Moisés para controlar e guiar o povo judeu.

Como o resultado foi ótimo (para eles), a receita foi repetida pelo cristianismo, e deste se alastrou para muitos outros credos, contaminando até mesmo as culturas anteriores a esta invenção. Toda mentira, repetida mil vezes, torna-se uma verdade, por isto todos os dias nosso orí (cabeça) nos condena por crimes que não cometemos e vivemos torturados pela divisão que nos habita, entre o bem e o mal; entre o certo e o que os outros dizem ser errado. O pecado nos coloca à mercê da condenação por outro.

Não crendo em pecado, estou livre, até que orì me condene e sendo assim, posso viver plenamente e exatamente de acordo como o desejo dos Deuses.

Dentro do candomblé o pecado é a conciência de cada indivíduo.

NZAZE

INKICE - NZAZE
CORRESPONDENTE AO ORIXÁ XANGÔ

Nzaze

"Aquele que se destaca pela força e revela seus segredos"

Nzaze é o Nkisi das pedreiras, Nkisi dos raios e do trovão, Nkisi da justiça é o Nkisi que gera o poder da política. Guerreiro, bravo e conquistador, Nzaze também é conhecido como o Nkisi mais vaidoso entre os Minkisi masculinos. É monarca por natureza e chamado por rei.

Nzaze é a ideologia, a decisão, a vontade, a iniciativa. É a rigidez, organização, o trabalho, a discussão pela melhora, o progresso social e cultural, a voz do povo, o levante, à vontade de vencer. Também o sentido de realeza, a atitude imperial, monárquica. É o espírito nobre das pessoas, o chamado "sangue azul", o poder de liderança.

Para Nzaze, a justiça está acima de tudo e, sem ela, nenhuma conquista vale a pena; o respeito pelo rei é mais importante que o medo.

Este, que apesar de grande guerreiro, justo e conquistador, detesta doenças, a morte e aquilo que já morreu. Nzaze é avesso a Mvumbi (espíritos desencarnados). Admite-se até que ele é uma espécie de imã de Mvumbi, daí sua aversão a eles.

Este nkice representa a sedução masculina, já que teve três Yabas, Dandalunda, (oxum), Obá e Matamba (yansã), e protetor dos intelecutais, estudiosos, advogados e juízes e tudo que esta relacionado a justiça.

A Ku Menekene Usoba Nzaji – Nzaze

(Salve o Rei dos Raios – Grande Raio)!

COLETÂNEA TATA GONGOFILA

Psicanálise e religião


Psicanálise e religião

Cristãos e não-cristãos, todos nós fomos, de alguma maneira, influenciados pelos ensinamentos de Cristo. Todavia, não é minha intenção o seu sentido místico e religioso. Não estou sequer qualificado para tanto. Não sou teólogo ou psicanalista. Discutirei, portanto, os aspectos psicológicos da doutrina de Cristo. Discutirei, à luz da psicanálise, o sentido de pecado e de salvação.

Utilizando uma terminologia psicanalítica, eu entenderia a virtude como aquele jeito de viver que nos torna mais sadios, mais capazes de crescer emocionalmente e, portanto, de nos tornarmos mais felizes, mais realizados. E entenderia pecado como aquelas atitudes de cabeça que fazem as pessoas se sentirem perdidas, angustiadas e infelizes. Por pecado eu entenderia aquele jeito de pensar, de sentir e de agir que leva ou ao empobrecido da personalidade (cabeças empobrecidas e corações mediocrizados) ou “a doença mental (neurose, psicose, etc.)

Sendo que esse “pecado de cabeça” nos foi ensinado pela sociedade e até por nossos antepassados levando assim a acreditar que a ignorância humana não é uma atitude interior e sim o que nos foi passado.

O que significa a palavra “religião”? Religião significa religar, ligar de novo. Ou seja, redescobrir o nexo das coisas, não deixar nosso pensamento se perder e se consumir numa eterna difusão. Como a vida é sempre maior do que nossa capacidade de compreendê-la, algo que nos ajude a estabelecer a ligação entre as coisa é sempre bom. A perdição não é ter pensamentos sexuais. É, isso sim, estará deriva, como nau sem rumo equivocado. A cabeça imagina que encontrou seus objetivos, mas, na realidade, esta desnorteada, não sabe o que quer, pra onde vai, nem por que faz as coisas que faz. E doença mental é isso: é estar à deriva, levado por impulsos e obsessões, ou perdido dos outros e de si mesmo. Um labirinto de desejos e emoções dentro do qual, na realidade, não nos encontramos.

E o que significa a palavra pecado? Pecado vem do latim, “pecare”, que significa “errar o alvo”, estar desorientado, sem bússola ou com a bússola errando nas informações que oferece.

Por isso, a verdadeira psicanálise não pode conflitar com as verdadeiras religiões. Quando saímos da superfície das aparências imediatas, descobrimos muitos pontos em comum.

A psicanálise, por exemplo, não considera as crianças anjinhos ou querubins. Desde o berço, a cabecinha do bebê está a mil. Desde o nascimento da criança é extremamente generosa, mas extremamente cruel. É sujeita a grandes amores e grandes ódio. A um só tempo, é dócil e temperamental, crédula e desconfiada, ingênua e maliciosa. E sua malícia não se resume a aprontações inocentes: não: estas são abertamente sexuais. Só que a maneira de a criança transar sexo é diferente daquela que terá quando for adulta. Nos seus momentos de cólera, se tivesse meios, seria concretamente capaz de realizar atos de extrema violência. Em síntese, já existe na criança, em miniatura, em estado de semente, todas as virtudes e todas as misérias do adulto.

Eduardo Mascarenhas.

No candomblé somos considerados cristãos de acordo com o documento oficial - Africae terrarum de 1967 do Papa Paulo VI, que valoriza a religião africana.